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FENÔMENOS ENTÓPICOS

Podemos completar a exposição da exploração subjetiva da retina, referindo-nos brevemente aos resultados da anamnesis e à presença de fenômenos entópicos, espontâneos ou provocados. A anamnese de uma afecção retiniana nos parece, diante de todos os dados, como a diminuição da acuidade visual, do campo visual ou da visão noturna, que somente os métodos que podem especificar e precisar, embora haja um fator, o cronológico, às vezes muito importante, que necessita ser avaliado diretamente, a partir das declarações do paciente, embora com as graves reservas que o fato impõe, de observação frequente, de que uma amaurose monocular pode passar despercebida durante muito tempo. Pela mesma razão, é mais fácil estabelecer a cronologia de um escotoma positivo do que a de um negativo; isto é, de particular importância no descolamento da retina, que o paciente descreve como um véu na parte correspondente do campo visual, porque nesta afecção, o prognóstico cirúrgico está, em grande parte, condicionado pelo tempo de evolução. Na amaurose ou ambliopia profunda das obstruções vasculares retinianas, o paciente frequentemente pode distinguir entre a instauração brusca, quase instantânea, das arteriais, e àquela um pouco mais lenta das venosas; há que se suspeitar também do aparecimento de um grave transtorno vascular retiniano, que não pode ser confirmado oftalmoscopicamente, quando um enfermo cataratoso menciona uma diminuição brusca da visão, e leve-se em conta que as obstruções vasculares retinianas são especialmente, frequentes na idade senil na qual a catarata senil também faz sua aparição.

Às vezes, os fenômenos subjetivos têm um caráter recorrente ou transitório: isso ocorre com a chamada amaurose fugaz, que se deve a um espasmo transitório da artéria central da retina e aparece, sobretudo, em três afecções: como sintoma prodrômico, às vezes repetido, de uma obstrução permanente; na insuficiência carotídea (em cujo caso se combina com transtornos motores contralaterais) ou em períodos iniciais da doença de Takayasu; e no edema do disco do nervo óptico, como consequência do estreitamento dos vasos centrais pelo tecido discal edematoso. A amaurose ou ambliopia fugaz ortostática, acompanhada de sensação vertiginosa, que pode ser fisiológica, é um sintoma sempre presente da hipotensão ortostática. Há que se ter em conta, entretanto, que em qualquer destes casos, a isquemia retiniana causadora da amaurose pode ser acentuada por um obstáculo à circulação intraocular, como o constituído, no glaucoma, pela própria hipertensão intraocular. Um caráter transitório tem também o escotoma cintilante da enxaqueca oftálmica que pode estar acompanhado de espasmos arteriolares retinianos, tem sempre sua origem no córtex occipital. No caso típico, o escotoma, que o paciente percebe como uma sombra no campo visual, geralmente junto ao ponto de fixação, é precedido ou está cercado pela percepção espontânea de linhas brilhantes multicoloridas, em forma de zig-zag e vai, lentamente, se ampliando com a atenuação do escotoma cintilante, até alcançar, às vezes, a metade do campo visual e desaparecer somente quando se inicia o período de vasodilatação da enxaqueca, com a dor de cabeça correspondente.

Poderíamos definir como fenômenos entópicos a visualização por parte do paciente de suas próprias estruturas oculares, normais ou patológicas. Esta percepção pode ser espontânea ou provocada. A mais importante das espontâneas é a fotopsia ou percepção de luz que não corresponde a nenhum estímulo luminoso: a retina, como qualquer outro órgão, responde com a mesma sensação aos estímulos específicos e aos inespecíficos ou inapropriados; o estímulo específico retiniano é a luz visível, porém estímulos inespecíficos podem ser as radiações normalmente invisíveis ou alterações mecânicas, como é o caso mais frequente e interessante. É certo que uma fotopsia isolada e não localizada é uma experiência quase universal e carece normalmente de importância, por ser uma consequência dos descolamentos do vítreo com ocorrência de rápidos movimentos oculares, mas quando as fotopsias são permanentes ou muito frequentes e se apresentam sempre no mesmo ponto do campo visual, indicam a existência de uma irritação mecânica retiniana que é quase sempre decorrente da tração do que uma tração do vítreo exerce sobre o tecido retiniano, ameaçando (ou já tendo produzido) uma ruptura retiniana, com conseguinte risco grave de descolamento. Portanto, é necessário dar um grande valor à existência e à localização destas fotopsias, porque podem nos antecipar o aparecimento do descolamento e porque, caso este já esteja instaurado, podem nos orientar na busca do descolamento que normalmente está na zona de retina que corresponde à localização das fotopsias no campo visual. Ainda que geralmente menos intensas, as fotopsias persistem e aumentam de tamanho ao se desprenderem da retina, principalmente por ocasião dos movimentos oculares, expressando assim a resposta retiniana aos pequenos descolamentos, cujos movimentos os impõem. Quando o descolamento é muito extenso e ocupa a metade temporal da retina, com uma desinserção tão extensa que permite que a retina se dobre sobre si mesma, o paciente descreve, às vezes o curioso, porém trágico, fenômeno de uma diplopia monocular com inversão de uma das imagens, já que um mesmo estímulo cai sobre a retina menos desprendida e, antes, sobre a face normalmente posterior, agora anterior, da mais desprendida.

Com exceção das fotopsias, os fenômenos entópicos espontâneos mais frequentes são a percepção de pequenas opacidades movediças (miodesopsia, “mosca volante”, e a de halos coloridos). O halo colorido, que o enfermo percebe em torno dos pequenos focos luminosos como se olhasse através de um cristal embaçado por vapor, deve-se à difração da luz branca em seus distintos componentes coloridos e requer, portanto, a existência de uma estrutura que atue como um prisma, isto é, uma opacidade semitransparente ou uma minúscula gota que, para poder estar fixa, tem que se localizar sobre a córnea ou no cristalino. Com efeito, pequenos acúmulos de secreção que se fixam momentaneamente sobre a córnea podem dar lugar a um halo, porém este desaparece geralmente com o piscar. Por outro lado, são mais duradouros os decorrentes de um edema corneano ou à presença de pequenos vacúolos sob a cápsula anterior do cristalino e é muito importante poder diferenciá-los porque a causa mais frequente do edema corneano é a hipertensão intraocular, e estes halos podem ser o único sintoma de um glaucoma prodrômico. Por isso, é muito importante poder determinar a origem dos halos, o que é fácil se o paciente os acusa no instante da exploração porque durante seu curso pode-se descobrir o edema corneano ou os vacúolos ou pequenas opacidades cristalinianas. Mesmo assim, existem, ainda, vários critérios para o diagnóstico diferencial: os halos de origem corneana são geralmente maiores (de 7.º a 12.º) do que os cristalinianos (de 4.º a 6.º), e mostram um comportamento diferente ante a prova estenopeica de Emsley e Fincham: ao se deslocar lentamente uma fenda estenopeica ante à pupila, os halos de origem cristaliniana ficam reduzidos a dois setores opostos que vão girando e dividindo-se em outros dois, conforme a fenda avança; por outro lado, os de origem corneana se tornam simplesmente menos intensos ou desaparecem ao se realizar esta manobra. Se no momento da exploração o paciente não percebe os halos, deve-se suspeitar que sejam ou tenham sido de origem corneana (caso tenham desaparecido ao se esfregar os olhos pode-se assegurar que foram causados por secreção conjuntival), já que os de origem cristaliniana são mais permanentes; porém, é conveniente instruir o paciente, caso o fenômeno se repita, que use em si mesmo a prova estenopeica, ou a medição aproximada do diâmetro, ainda que, como é natural, ambas as provas são de resultados sempre duvidosos.

Os fenômenos entópicos provocados são, com exceção da visualização entópica instrumental das opacidades cristalinianas ou do diâmetro pupilar, de origem retiniana. Os mais importantes são a auto-oftalmoscopia e a visualização da circulação foveal ou dos fenômenos que a luz polarizada produz nas fibras maculares. A auto-oftalmoscopia se baseia na percepção da sombra que os vasos retinianos, situados na camada de fibras nervosas, projetam sobre a camada, mais externa, de cones e bastonetes; quando a luz se projeta sobre a retina verticalmente, como ocorre normalmente ao se passar através da pupila, esta sombra se projeta sobre elementos sensoriais que estão adaptados a ela e não a percebem; porém se a luz penetrar obliquamente, através da esclera, a sombra dos vasos retinianos se deslocam ligeiramente e atenua a luminosidade de algumas zonas da retina visual que, estando normalmente livres de tal interferência, a acusam perfeitamente. Na prática, portanto, fazendo o paciente olhar para cima no quarto escuro, coloca-se uma lanterna acesa em contato com a pálpebra inferior realizando pequenos movimentos de vai-e-vem, ou com o olhar dirigido para um lado, ilumina-se a esclera a partir do outro, com um feixe luminoso da lâmpada de fenda, que também, para evitar a adaptação, move-se continuamente alguns milímetros; passados alguns segundos, o paciente percebe sobre um fundo luminoso branco amarelado, e aparentemente situadas no infinito óptico, uma série de linhas, às vezes escuras, outras mais brilhantes (por causa da refração nas paredes vasculares) que correspondem à árvore vascular retiniana, e que, por conseguinte, faltam no ponto de fixação e querem se reunir num ponto não visível, que é a mancha cega. Não é possível perceber defeitos pequenos, somente aqueles de algum tamanho, como hemorragias retinianas, focos de coriorretinites, e lesões da via óptica, que aparecem como manchas escuras sobre a imagem invertida, da retina que o paciente percebe. Contando, o que não é frequente, com a colaboração por parte do paciente, este método permite, ao menos teoricamente, ter-se uma idéia aproximada do estado do campo visual, quando não se pode explorar nem este nem o fundo do olho pela existência de uma opacidade corneana ou cristaliniana.

Os corpúsculos hemáticos que circulam pelos capilares perifoveais se fazem visíveis, em um número aproximado de 25 e dotados de um movimento pulsante irregular, caso se dirija a visão em direção de uma superfície muito iluminada (fenômeno de Scheerer), ou mais facilmente, emprega-se um instrumento adequado, com luz de comprimento de onda muito curto. Uma diminuição do número de corpúsculos e da velocidade e amplitude de seus movimentos ocorre quando a circulação perifoveal está comprometida, como ocorre na arteriosclerose retiniana, no edema macular remissivo (incluindo em seus estados iniciais) e, talvez, no glaucoma simples.

Como consequência da disposição das fibras nervosas na camada de Henle, se iluminarmos a retina com luz polarizada (obtida por um prisma de Nicol, ou um cristal “polaroid” giratório), percebe-se os chamados feixes de Haidinger, que são vistos mais facilmente com aparelhos como o de Goldschmidt, e se assemelham, em seus giros, a uma hélice de avião. Quando ocorre um edema da camada de fibras nervosas desaparecem os feixes de Haidinger (o que é fácil comparar com o aparecimento normal no olho congênere, se este estiver são). Teoricamente ao menos, por conseguinte, a exploração do fenômeno de Scheerer e das escovas de Haidinger permitem, frente a um edema macular, diferenciar sua origem coroidiana ou retiniana: no primeiro caso, a circulação retiniana não estando alterada, o fenômeno de Scheerer deve ser normal, porém não se percebem as escovas de Haidinger; no segundo existe, desde o começo, uma diminuição do número de corpúsculos visíveis, porém as escovas de Haidinger são atenuadas somente mais tarde quando o edema tiver se tornado mais intenso.

Observações:

O Prisma de Nicol é obtido cortando-se um cristal de calcita (espato da Islândia) por um plano de inclinação conveniente, e, colocando as duas partes com bálsamo do Canadá. Os dois raios refratados encontram o bálsamo seguindo ângulos tais que o raio ordinário sofra reflexão total e o raio extraordinário consegue atravessá-lo. Após a reflexão total o raio ordinário é absorvido pelas paredes laterais do nicol, convenientemente enegrecidas. Portanto, se em um Nicol incide luz natural, a luz que dele emerge será polarizada.

Ao olhar para o céu através de um prisma de Nicol é possível observar as escovas de Haidinger, uma cruz pouco nítida que tem um dos braços amarelo e outro azul. O fenômeno ocorre com o Nicol, mas certas pessoas são capazes de vê-lo, mais ou menos distinto, sem o Nicol.

O olho humano pode detectar a polarização da luz. Esta foi observada pela primeira vez em 1844 por Haidinger e o fenômeno é conhecido como a escova de Haidinger. Quando uma folha de polarizador linear é mantida entre o observador e um fundo branco uniforme, a escova aparece se o polarizador for girado rapidamente através de 90º. Este padrão fraco é amarelo e de duas extremidades como dois cones presos ponto a ponto. Ele subtende um ângulo de cerca de 2º. Sua orientação depende do plano de vibração do polarizador e, como ele desaparece em alguns segundos, geralmente se pensa que seja um efeito de fadiga. Se o polarizador for girado novamente, ele reaparece e pode girar se o polarizador girar lentamente. Um efeito semelhante, porém, mais fraco pode ser encontrado com luz polarizada circularmente. O fenômeno é confinado à luz azul – se este for excluído, a escova não aparecerá – para que o amarelo ocorra onde a resposta azul está cansada.

Nem toda a luz que alcança a retina é absorvida por ela. As técnicas de retinoscopia e oftalmoscopia seriam impossíveis se este fosse o caso. Embora menos luz azul do que a luz amarela e a vermelha (e infravermelha) seja refletida, o reflexo azul é principalmente especular, enquanto que para os comprimentos de onda mais longos, o reflexo é principalmente difuso. Isso pode ser mostrado usando luz linearmente polarizada que mantém sua polarização com reflexo especular. A localização das superfícies refletivas na retina do olho vivo ainda está aberta ao argumento. Parece claro que os comprimentos de onda mais longos são refletidos de mais de um lugar, enquanto o azul possui um único plano de reflexo. Os comprimentos de ondas mais curtos que 400 nm dificilmente se refletem totalmente.

Alguns materiais, tais como o quartzo, não são apenas birrefringentes, eles também exibem atividade óptica. Quando ele é cortado como uma placa paralela com seu eixo óptico perpendicular às superfícies ele tem a capacidade de girar o plano de vibração da luz polarizada linearmente incidente. Portanto, se uma placa de quartzo cortada dessa forma for inserida entre um par de polarizadores cruzados para dar extinção, ela permitirá que a luz seja transmitida. Se o segundo polarizador for girado, uma nova posição de extinção pode ser encontrada. Portanto, em seguida ocorre que a luz que deixa a placa de quartzo é linearmente polarizada, mas o plano das vibrações foi girado.

Com uma determinada substância, o ângulo, através do qual o plano de vibração é girado, é proporcional à espessura da placa e, com uma espessura determinada da placa, esse ângulo varia inversamente com o comprimento de onda, sendo aproximadamente proporcional a l-2. Assim, com a luz branca, a extinção descrita acima será incompleta e cores diferentes serão transmitidos por sua vez à medida que o analisador é girado.

Alguns materiais são birrefringentes sem serem opticamente ativos (por exemplo, calcita), enquanto outros são opticamente ativos sem serem birrefringentes (por exemplo líquidos, particularmente soluções de açúcar). A rotação pode ser à direita (positiva) ou à esquerda (negativa), definida como o movimento necessário do analisador para recuperar a extinção, conforme é vista por um observador que a observa a partir dela em direção ao polarizador. O quartzo fundido (sílica fundida) não tem atividade de birrefringência ou óptica.

Um outro fato é o fenômeno de Scheerer. Olhe para o céu em um dia claro e você poderá observar pequenos pontos brilhantes e dispersos se espalhando ao seu redor. Caso você ainda não tenha notado esse fenômeno, tente na próxima vez que as condições meteorológicas permitirem, ou use a imagem azul acima para imitar o céu. Esta gambiarra pode não ser boa o suficiente para todos, mas pode funcionar para alguns.

E o que você está vendo? Efetivamente, as suas próprias células brancas do sangue. O gif abaixo mostra a escala dos pontos e de mãos humanas. Nossos olhos têm várias partes diferentes – como o nervo óptico, a íris, a córnea, e a pupila – e uma delas, a retina age como receptor para toda a luz que entra. Como a maioria das outras partes do corpo, os nossos olhos precisam de sangue e do oxigênio que ele carrega.

Os capilares que levam o sangue para e ao redor do olho passam sobre a retina. E eles são muito estreitos – tão finos que as células precisam viajar em fila indiana através deles. Isto significa que há um fluxo quase constante de células vermelhas do sangue em nossas retinas. “Quase” constante porque os glóbulos vermelhos representam mais de 90% das células em nossa corrente sanguínea. Os glóbulos brancos e plaquetas compõem o resto.

Os glóbulos vermelhos absorvem a luz azul, efetivamente lançando uma sombra sobre a retina. Mas os nossos olhos e cérebro “consertam” o problema, corrigindo as cores bloqueadas. Isso seria o fim da história, mas o fato é que, de vez em quando um glóbulo branco aparece nas células capilares. Os glóbulos brancos deixam a luz azul passar, causando uma falta de correspondência de sombra, grosso modo, o contorno da célula, uma vez que passa sobre a retina.

Os capilares são tão estreitos que os glóbulos brancos, que normalmente são redondos, têm que se esmagar um pouco para passar, fazendo a diferença da ausência de sombra ser alongada. A luz adicionada não é corrigida, por isso vemos o branco glóbulo passar sobre a nossa retina, mas, felizmente, não estão fora de nossos corpos.

O efeito é chamado de “fenômeno entópico do campo azul”, ou fenômeno de Scheerer, em homenagem ao oftalmologista alemão Richard Scheerer, que foi o primeiro a prestar atenção clinicamente a ele, em 1924, com “entópico” significando “dentro do olho”.

Então, quando quiser ver os leucócitos nos seus olhos, basta olhar para cima quando estiver dia e o céu não tiver muitas nuvens.

Adalmir Morterá Dantas

Prof. Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Presidente do CEPAMD – Centro de Estudos Professor Adalmir Morterá Dantas

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